terça-feira, 23 de agosto de 2011

fonte: faor em foco

Indígenas da Amazônia definem estratégias comuns à crise climática

21/08/2011


Márcio Meira, presidente da Funai e cacique Raoni Kayapó. (Foto: Ascom COIAB)
 
Ver o cacique Raoni Kayapó, figura lendária no imaginário daqueles de defendem a Amazônia e seus povos, enfrentar o presidente da Funai, Márcio Meira, no encerramento do “Grande Encontro dos Povos da Amazônia– Saberes ancestrais, povos e vida plena em harmonia com as florestas”, em Manaus, dia 18 de agosto, foi épico. Em muito lembrou a índia Tuíra empunhando o facão para o então presidente da Eletronorte em 1989.
 
Depois de 21 anos a cena se repetiu. Raoni não tinha um facão e com sua mão deu um emblemático puxão de orelha em Meira. Em comum, no entanto, além da etnia dos guerreiros Kayapós, Tuira e Raoni compartilhavam o motivo pela revolta – a defesa do rio Xingu e seu grito contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
 
O encontro em questão ocorreu durante quatro dias, quando cerca de 200 líderes indígenas dos 9 países que integram a PanAmazônia se reuniram em Manaus, no encontro promovido pela Coordenação de Organizações de Índios Amazônicos (COICA), para debate e buscar alternativas a crise ambiental global.
 
Em pauta estava o posicionamento dos índios da Amazônia sobre os grandes eventos internacionais que ocorrem em 2012, como a Rio + 20, além da construção de uma visão compartilhada a ser apresentada nesses eventos sobre a chamada “Economia verde” e processos de REDD +.
 
Nas palavras de Edwin Vásquez, titular da Coica, seria impossível discutir esses temas globais fora da cosmovisão indígena e enfatizou: “Não há discussão possível sobre “REDD+” sem reconhecimento dos direitos coletivos e dos territórios dos indígenas”.
 
Para o assessor técnico da Coica, Roberto Espinoza, não interessa aos indígenas discutir carbono ou “REDD+ isoladamente, mas sim discutir os planos de vida ou planos de futuro dessas populações. Se nestes couber a perspectiva de Redd, então deve-se buscar essa alternativa, mas em um processo onde os povos não apenas sejam beneficiados economicamente pela preservação das florestas, que é inerente a seus modos de vida, mas que também participem dos processos decisórios, como um possível “REDD indígena”.
 
O evento também serviu de preparação para outros dois eventos, também em Manaus, que seguiriam até 24 de agosto, com lideranças de povos originários de todos os continentes, também, na mesma perspectiva de construção consensualizada sobre as políticas continentais acerca das mudanças climáticas e territorialidades.
 
 
Violações e direitos comuns
 
O consenso buscado no encontro, em muito, refletiu-se em uma certa unidade vivida pelos indígenas do noves países, mas essa, de violações constantes dos direitos dos povos, principalmente, no que diz respeito a seus territórios e sua autonomia.
 
O drama vivido e relatado pelos índios brasileiros do Xingu, como no caso de Belo Monte, com processos nebulosos de audiências públicas e consultas prévias fraudulentas, se repetem na maioria dos demais países, como denunciaram as lideranças.
 
Essa violação sistemática fere as normas do direito internacional estabelecida pela Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, da Organização Internacional do Trabalho – OIT. O Brasil, assim como os demais países presentes, são signatários da 169, mas continuam a traçar grandes projetos desenvolvimentistas, como as hidrelétricas e até fecham acordos de REDD + como é o caso do Guiana Inglesa, sem respeitar o artigo 6º da convenção, que determina que os governos “tem por obrigação consultar os Povos Indígenas antes de adotar qualquer medida que os afete”.
 
O desabafo de Raoni
 
A cena protagonizada entre o cacique Raoni e o presidente da FUNAI, Márcio Meira, ocorreu nos momentos finais do Grande Encontro dos Povos, quanto a assembleia, soberana, poderia se manifestar na construção do documento que ratificaria o evento. Falando sempre em sua língua nativa, com a ajuda de um tradutor, Raoni, disse que o governo brasileiro não respeita os indígenas e que no caso de Belo Monte, se preciso fosse, lutaria até o fim, até o último índio, para que os direitos indígenas sobre seu território, já titulado, e seus direitos ao modo de vida tradicional, fossem respeitados.
 
Visivelmente emocionado, Raoni abriu mão por alguns minutos, de falar em sua língua nativa, e se dirigiu em português a Meira, que compunha a mesa do evento para manifestar toda sua indignação. Ele disse que queria do presidente da Funai deixasse imediatamente o cargo, pois ele não se importava os índios, pois ele estava matando os índios, as matas e os rios.
 
Nesse momento, Raoni se vira a Meira, o olha nos olhos e pega em sua orelha, chamando-lhe atenção.
 
O ato foi simbólico de um pai aconselhando um filho, como quem teme pelo futuro. Não um futuro individual, mas pelo bem coletivo de todos os povos, pois é assim que os indígenas veem o mundo, como algo sempre interligado, como nas palavras de Raoni “Nós índios, somos mata, rio e tudo que é vivo”.
 
Para conhecer a declaração de Manaus na integra, acesse: http://www.coica.org.ec/cumbre2011/

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Boletim WRM publicou

- Rede de mulheres comprometida com uma verdadeira Economia Verde
As mulheres do Sul da Ásia que trabalham em diferentes áreas, incluindo saúde, alimentação, meios de vida, meio ambiente, se reuniram em Dhaka, Bangladesh, em 2 e 3 de julho de 2011 para a Terceira Conferência Anual da SWAN (Rede de Mulheres do Sul da Ásia), que foi dedicada ao assunto de “Mulheres do Sul da Ásia e a Economia Verde”.
A declaração final da SWAN conclui que o conceito emergente de Economia Verde deveria significar “um sistema econômico que garanta justiça social e eqüidade, proteja o equilíbrio ecológico e crie suficiência econômica. Uma Economia Verde assim deveria substituir a atual ordem econômica, que se baseia em desigualdade, destruição ambiental e cobiça, que tem resultado em fazer com que quase a metade da população do mundo esteja na pobreza, e tem levado o planeta até o ponto de uma severa catástrofe ambiental através da mudança climática. A idéia principal de uma Economia Verde deve ser o alívio da pobreza, a sustentabilidade ambiental através da manutenção da biodiversidade e o bem-estar de todas as pessoas.
O Sul da Ásia é uma das regiões mais ricas em termos de diversidade biocultural, mas essa diversidade está ameaçada pelas monoculturas impostas através da Revolução Verde e a engenharia genética. Essas tecnologias não sustentáveis e fracassadas estão sendo impostas a nosso povo, causando-lhe mais dívida e pobreza. Nossa rica biodiversidade e patrimônio cultural está sendo patenteado e pirateado, privando nosso povo dos benefícios de seu próprio patrimônio e recursos. Quando as crises ambientais nos forçam a migrar para as cidades, também experimentamos perda de meios de vida devido à falta de acesso ao espaço urbano, materiais e novas formas de gestão urbana. Nossos corpos são afetados com tóxicos do consumo insustentável dos outros. O direito ao desenvolvimento sustentável deveria ser inalienável. Isso é vital para o empoderamento das mulheres e para preservar nosso planeta para as gerações futuras.”
A Declaração de Dhaka estabelece a visão das mulheres de que “Nossas economias locais têm sempre estado em harmonia com a natureza. Temos usado os recursos de forma prudente e os temos distribuído de forma eqüitativa. A SWAN acha que os agricultores e artesãos do mundo inteiro sempre têm trabalhado em conjunto com as estações e em harmonia com a natureza. Uma artesã leva com ela a sabedoria de gerações que não saquearam o planeta para obter lucros. Ela tem um profundo compromisso com a nutrição do mundo natural para sustentar os meios de vida. As únicas matérias primas necessárias para ter milhões de pessoas empregadas é um próspero meio ambiente verde com ricas florestas, pradarias, águas limpas e encostas intactas. A dignidade e criatividade do trabalho manual contribuem em grande forma com economias rurais sólidas. Esse trabalho das mulheres na região do Sul da Ásia inteira deve ser reconhecido por todos aqueles que desejam construir um mundo inclusivo e verdadeiramente integrado e equilibrado ecologicamente.

Hoje, aqueles que têm criado a crise ecológica falam em Economia Verde. Para eles, a Economia Verde significa apropriar-se dos recursos remanescentes do planeta para obterem lucros –das sementes e a biodiversidade até a terra e a água, bem como nossas habilidades, como os serviços ambientais que fornecemos.
Para nós, a privatização e mercantilização da natureza, suas espécies, seus ecossistemas e seus serviços ao ecossistema não podem fazer parte de uma Economia Verde, já que um enfoque assim não pode levar em conta nossas tradições. Os recursos da Terra são para o bem-estar de todos, não para os lucros de uns poucos.

Dividir nossos recursos vitais com eqüidade e usá-los de forma sustentável para a sobrevivência e necessidades básicas está no coração de nosso conceito de uma Economia Verde. Nosso rico conhecimento da biodiversidade, nossa agricultura ecologicamente sustentável e nossas técnicas de artesanato são livres de combustíveis fósseis e tóxicos. Geram meios de vida criativos e dignificados e fornecem a base para a mitigação da pobreza. Continuamos estando comprometidas com o fortalecimento dessas tradições que geram vida.
É de vital importância conscientizar sobre estes assuntos através da mídia e através do processo educativo que atinge os jovens e as crianças. A consciência sobre a Economia Verde e a importância de seus impactos diversos é essencial para permitir que todos os segmentos da sociedade façam escolhas informadas. Reconhecendo a face mudadora da mídia, a SWAN promove o uso de novos meios, incluindo ferramentas de formação de redes sociais para chegar até as mulheres do Sul da Ásia e apoiá-las em sua luta para satisfazer os desafios de garantir a Economia Verde para o desenvolvimento sustentável.
Nossas Economias Verdes são diversas e descentralizadas, e portanto são um caminho de empoderamento para todos. As mulheres são o depósito do conhecimento e fornecem a base cultural para criar e desenvolver economias que aumentem o bem-estar e a felicidade, a alegria e a beleza, a sustentabilidade e a eqüidade. É desde nossa região do Sul da Ásia que o conceito de Felicidade Interna Bruta se tem espalhado pelo mundo inteiro. Aprofundaremos esse conceito e o transformaremos na base da Economia Verde.”
Em uma época na que o assunto da Economia Verde está adquirindo impulso em fóruns regionais e multilaterais é crucial defender seu verdadeiro significado e para isso, as vozes dessas mulheres devem ser ouvidas altas.
Artigo baseado na Declaração de Dhaka: “SWAN (South Asia Women's Network)’s Positions on an emerging Green Economy”, enviada por Vandana Shiva